segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Além do homem...


Sobe determinado as paredes rochosas que a natureza caprichosamente moldou para que ele as dominasse, sabe que além das montanhas há uma lânguida planície pela qual também atravessará sem olhar para os lados, sem contemplar por do sol nem céu estrelado, por certo seus antepassados já olharam muito para o céu para que esses pontos de luz o emocionem agora – olha pra frente! Muito à frente está seu objetivo, lá onde a grande maioria dos homens jamais atreveu-se a sonhar, pois é necessário deixar de ser homem para alcançar tal pensamento, é necessário despojar-se dessa reles capa de crença e orgulho que se chama: homem... já não se vê na pequenez da humanidade, dos seus problemas e suas dores, caminha predestinado e sozinho e toda essa rocha, e todo esse vale, e todo esse céu representam a imensa distância entre ele e os que se consideram de sua espécie, mas que ele em seu coração os vê apenas com um estagio, superado...

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

BRINDEMOS

Um brinde a beleza da vida

E a eterna novidade da morte.

Pois se há algo certo no mundo

É o estarmos entregues à sorte.

Um brinde a juventude, a saúde...

E a velhice doente e encarniçada.

Pois toda existência com esplendor

Deriva de uma existência desgraçada.

Um brinde ao avanço, ao dinheiro,

E a vida de quem não tem esperança.

Pois se há amor nesse mundo

Morre quando cresce a criança!

Um brinde ao céu e sua imensidão

E à dor de tudo que não é virtude.

Pois a grande ferida do homem

É a certeza de sua própria finitude.

Brindemos amigos, meus irmãos,

Brindemos ao santo e ao gentil.

Brindemos de mãos dadas com o nada

Gozando nessa vida curta e febril.

E quando faltar ao que brindar

(se é que isso é possível).

Brindemos a inutilidade metafísica

Do Deus morto e invisível.

MANIFESTO DA PRIMAVERA

Flora, renasces ao primeiro anseio do teu amor... nas asas da saudade.

Pedro Kilkerry

Nessa estação em que tudo floresce nos reunimos no calvário de uma fruta que despencou antes do tempo. Trouxemos nas mãos um pano preto para cobrir suas vergonhas que apodrecem, e com nossas bocas entoaremos canções fúnebres que auxiliem a transmutação. Nossos olhos, já cansados de observar a lenta desintegração do carbono, hoje lacrimejam sedentos de alívio para tanta secura. Os ouvidos, atrofiados por um longo silencio, aprenderam a escutar o som oco e distante das batidas de corações angustiados. E nossos narizes inalam em todos os cantos desta cidade fantasma o cheiro nauseante de morte de cultura. Posto que seja a cultura nosso fruto despencado!

A cultura se alimenta de diversidade e multiplicidade e, principalmente, da consciência que concebe a importância exercida pela preservação, tolerância e incentivo da diversidade e da multiplicidade. Quando tal consciência perde força e tende para a aceitação da uniformidade a conseqüência natural é a morte da cultura por inanição. Posto que uma “cultura uniforme” não pode revelar mais que a alienação coletiva.

A cultura do consumo é o verme parasita que se infiltrou no organismo social de nossa pobre cidade. Em nenhum outro lugar da região a doença se mostra em estágio tão avançado de evolução, ao ponto da pobre mentalidade de contadores de moedas se apresentar como meta e fito último de seus cidadãos. Esse tipo de cultura que evolui de forma canibal, se alimentando da “carne” das outras culturas, não pode conduzir a outro caminho se não o da degeneração mental do corpo social.

Mas nem tudo está perdido já que, como sabemos, é do veneno que se desenvolvem novos remédios. Assim como é na seca que aprendemos o valor da água, é no silêncio que aprendemos o valor do som, é na escuridão que aprendemos a amar a luz e é da podridão cinza que se alimenta a verde semente de uma nova esperança...

Então, que as lágrimas de hoje lubrifiquem e aperfeiçoem os olhos de novos pintores, que o silencio de hoje apure o ouvido de novos músicos, que a tristeza de hoje alimente a pena de novos poetas e que, por fim, o inverno e entulho de esterco que se tornou a “capital do recôncavo” sirva de humo para o renascimento e nova primavera da “cidade das flores”. A saúde cultural é a meta, a arte é o antídoto, o artista é o instrumento!

Jan Ferr

Santo Antonio de Jesus - BA, 01/10/2010.

Etiqueta

Presenteaste-me com a solidão.

Eu, homem educado, aceitei-a de bom grado!

“Cavalo dado não se olha os dentes”.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Individualismo contra sociedade do vício

Vivemos numa época de corrupção e relaxamento. O que não quer dizer, necessariamente, que vivemos numa época má. Se considerarmos que os juízos “bom” e “mau” estão, inexoravelmente, ligados a pontos de vista, compreenderemos que tais julgamentos se subscrevem ao universo da moral, ou seja, ao plano metafísico e, consequentemente, à flexibilidade das leis que regem tal “universo”. Contudo, tais leis não são apresentadas em seu “caráter flexível”, mas, pelo contrário, são geralmente representadas como regras intransponíveis sob as quais o indivíduo deve submeter-se. Assim sendo, o indivíduo plenamente consciente, fruto legítimo das épocas de corrupção e relaxamento, acaba brotando apenas esporadicamente nos solos propícios para a arvore da tirania. Faz parte da natureza desses indivíduos (ou melhor, se configura como seu instinto dominante) a faculdade de explorar sem culpa os semi-indivíduos, ou seja, os que, pela pobreza mesma do “solo” de onde brotaram, se sentem oprimidos pelas condições da existência a manter, de forma inconsciente, o funcionamento das engrenagens da máquina que os subjuga e escraviza. A “consciência” é, portanto, o “x” da questão. Como está claro, ela não “humaniza” o indivíduo, pois se assim agisse os “indivíduos conscientes” cessariam de explorar seus semelhantes “inconscientes”. Ao contrário, a consciência adormece os instintos de respeito e submissão às regras que não têm como objetivo imediato o benefício do próprio indivíduo, bem como acorda nele os instintos de revolta e insurgência contra as regras que fundamentam a sua condição de subserviência. No entanto, esse efeito da consciência só pode ser observado nos casos em que o indivíduo pode se desenvolver de forma plena, o que é coisa rara nas sociedades modernas, fraturadas pela “divisão” social do trabalho (entenda-se: de um lado a minoria que não precisa trabalhar e usufrui de todas as benesses do atual sistema e de outro as grandes hordas de escravos que carregam todo peso da produção nas costas, peso que impede a reflexão sobre sua condição) que -obviamente- favorece quem dispõe de tempo. No estado de separação que domina nossa sociedade a “consciência” funciona como um entorpecente em ambos os lados da cisão. Na mentalidade dominante ela anestesia o altruísmo e na mentalidade dominada ela anestesia a insurgência, apresentando-se, portanto, neste caso, como uma consciência de segunda ordem, ou mesmo uma “inconsciência”. Juntamente por que naqueles a consciência assume o caráter tirânico próprio do imperialismo capitalista de nosso tempo, enquanto nestes se desenvolve de forma reversa, pois é fruto de “números” e não indivíduos. Tal mecanismo de desenvolvimento desigual da consciência colabora para manutenção da hierarquia social e é estimulado pelas classes detentoras dos meios de controle e seleção via espetáculo, processo bem descrito nas teses de Guy Debord. A sociedade do espetáculo -releitura contemporânea do “pão e circo” do império romano- é a manutenção estratégica do entorpecimento coletivo para fins de dominação permanente de um lado e submissão passiva de outro. A cisão característica do mundo proletarizado é internalizada num fenômeno psicológico típico de nosso tempo: a alienação do indivíduo pelo fundamentalismo do consumo. Predomina, portanto, um tipo de consciência viciada incapaz de livrar-se do ciclo entre trabalho desapropriado e tentativa de “[re]apropriação” via consumo. Cabe aos indivíduos do meio (classes que se encontram nos “bolsões de ar” da cisão, ou seja, que dispõe de algum tempo para reflexão) criar, “por uma nova educação sobre si”, espaços cada vez maiores onde a lógica do consumismo possa ser quebrada. Esse esforço reflexivo é a única tarefa verdadeiramente digna à intelectualidade de nosso tempo: fazer de si uma “zona autônoma temporária”, uma fissura por onde possa escorrer livremente o líquido corrosivo do devir. Essa tarefa é para raros, somente àqueles que já não mais interessa uma “tomada de poder”, mas a destruição de toda forma de poder. E tal destruição, antes de qualquer coisa, deve ser feita dentro de si.

Reflexão de uma tarde generosa


A máxima de S. Augustinho “a memória é o presente do passado, a esperança é o presente do futuro e a visão é o presente do presente” pode -logicamente- ser associada a uma continuação do pensamento exposto da máxima aristotélica “só existem três tempos: o presente do passado, o presente do futuro e o presente do presente”. Nesses termos, podemos deduzir que a lógica que coordena tal pensamento reputa ao tempo presente o poder de organização dos outros tempos (passado e futuro), outorgando, portanto, ao indivíduo o peso incomensurável da responsabilidade por sua existência. Tal lógica é a força motriz que organiza todo pensamento do sacerdote, a saber: o pensamento que quer incutir no indivíduo (via moral) a responsabilidade por sua própria punição. Desta forma, a grande “dádiva” do “tempo presente” que se esconde por traz da interpretação aristotélica-augustiniana é a culpa. Todo indivíduo que pretende colaborar na tarefa de criação de um tempo verdadeiramente livre deve primeiro, como um verme, escavar o entulho putrefato de séculos de alienação pela psicologia do sacerdote em busca de luz e ar puro. Vencida essa barreira de lama, fezes e poeira é preciso um bom banho desinfetante para livrar-se do odor e da sujeira que um longo período sob os escombros de palavras como “culpa”, “punição”, “dádiva”, etc., impregnaram em sua pele. Só então, com nariz, olhos, boca e ouvidos “limpos” poderá ver e sentir novamente a verdadeira generosidade da existência e a abundância luminosa da irresponsabilidade e esquecimento imoralistas.