quinta-feira, 30 de setembro de 2010

BRINDEMOS

Um brinde a beleza da vida

E a eterna novidade da morte.

Pois se há algo certo no mundo

É o estarmos entregues à sorte.

Um brinde a juventude, a saúde...

E a velhice doente e encarniçada.

Pois toda existência com esplendor

Deriva de uma existência desgraçada.

Um brinde ao avanço, ao dinheiro,

E a vida de quem não tem esperança.

Pois se há amor nesse mundo

Morre quando cresce a criança!

Um brinde ao céu e sua imensidão

E à dor de tudo que não é virtude.

Pois a grande ferida do homem

É a certeza de sua própria finitude.

Brindemos amigos, meus irmãos,

Brindemos ao santo e ao gentil.

Brindemos de mãos dadas com o nada

Gozando nessa vida curta e febril.

E quando faltar ao que brindar

(se é que isso é possível).

Brindemos a inutilidade metafísica

Do Deus morto e invisível.

MANIFESTO DA PRIMAVERA

Flora, renasces ao primeiro anseio do teu amor... nas asas da saudade.

Pedro Kilkerry

Nessa estação em que tudo floresce nos reunimos no calvário de uma fruta que despencou antes do tempo. Trouxemos nas mãos um pano preto para cobrir suas vergonhas que apodrecem, e com nossas bocas entoaremos canções fúnebres que auxiliem a transmutação. Nossos olhos, já cansados de observar a lenta desintegração do carbono, hoje lacrimejam sedentos de alívio para tanta secura. Os ouvidos, atrofiados por um longo silencio, aprenderam a escutar o som oco e distante das batidas de corações angustiados. E nossos narizes inalam em todos os cantos desta cidade fantasma o cheiro nauseante de morte de cultura. Posto que seja a cultura nosso fruto despencado!

A cultura se alimenta de diversidade e multiplicidade e, principalmente, da consciência que concebe a importância exercida pela preservação, tolerância e incentivo da diversidade e da multiplicidade. Quando tal consciência perde força e tende para a aceitação da uniformidade a conseqüência natural é a morte da cultura por inanição. Posto que uma “cultura uniforme” não pode revelar mais que a alienação coletiva.

A cultura do consumo é o verme parasita que se infiltrou no organismo social de nossa pobre cidade. Em nenhum outro lugar da região a doença se mostra em estágio tão avançado de evolução, ao ponto da pobre mentalidade de contadores de moedas se apresentar como meta e fito último de seus cidadãos. Esse tipo de cultura que evolui de forma canibal, se alimentando da “carne” das outras culturas, não pode conduzir a outro caminho se não o da degeneração mental do corpo social.

Mas nem tudo está perdido já que, como sabemos, é do veneno que se desenvolvem novos remédios. Assim como é na seca que aprendemos o valor da água, é no silêncio que aprendemos o valor do som, é na escuridão que aprendemos a amar a luz e é da podridão cinza que se alimenta a verde semente de uma nova esperança...

Então, que as lágrimas de hoje lubrifiquem e aperfeiçoem os olhos de novos pintores, que o silencio de hoje apure o ouvido de novos músicos, que a tristeza de hoje alimente a pena de novos poetas e que, por fim, o inverno e entulho de esterco que se tornou a “capital do recôncavo” sirva de humo para o renascimento e nova primavera da “cidade das flores”. A saúde cultural é a meta, a arte é o antídoto, o artista é o instrumento!

Jan Ferr

Santo Antonio de Jesus - BA, 01/10/2010.

Etiqueta

Presenteaste-me com a solidão.

Eu, homem educado, aceitei-a de bom grado!

“Cavalo dado não se olha os dentes”.